terça-feira, 14 de julho de 2009

Texto de Danusa Leão

Não há nada
que me deixe mais frustrada
do que pedir sorvete de
sobremesa,
contar os minutos até
ele chegar
e aí ver o garçom
colocar na minha frente
uma bolinha minúscula
do meu sorvete preferido.
Uma só....

Quanto mais sofisticado
o restaurante,
menor a porção da
sobremesa.
Aí a vontade que dá
é de passar numa loja de
conveniência,
comprar um litro de
sorvete bem cremoso
e saborear em casa com
direito a repetir quantas
vezes a gente quiser,
sem pensar em calorias,
boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um
exemplo do que tem sido
nosso cotidiano.

A vida anda cheia de
meias porções,
de prazeres meia-boca,
de aventuras pela
metade.
A gente sai pra jantar,
mas come pouco.

Vai à festa de
casamento, mas resiste aos bombons.

Conquista a chamada
liberdade sexual,
mas tem que fingir que
é difícil
(a imensa maioria das
mulheres
continua com pavor de
ser rotulada de 'fácil').

Adora tomar um banho
demorado,
mas se contém para
não desperdiçar os recursos
do planeta.

Quer beijar aquele cara
20 anos mais novo,
mas tem medo de fazer
papel ridículo.

Tem vontade de ficar em
casa vendo um DVD,
esparramada no sofá,
mas se obriga a ir
malhar.
E por aí vai.

Tantos deveres, tanta
preocupação em 'acertar',
tanto empenho em passar
na vida sem pegar recuperação...

Aí a vida vai ficando
sem tempero,
politicamente correta
e existencialmente
sem-graça,
enquanto a gente vai
ficando melancolicamente
sem tesão...

Às vezes dá vontade
de fazer tudo 'errado'.
Deixar de lado a
régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.

Ser ridícula,
inadequada, incoerente
e não estar nem aí
pro que dizem e o que
pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres
incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho,
que foi santo, uma vez se rebelou
e disse uma frase mais
ou menos assim:
'Deus, dai-me
continência e castidade, mas não agora'...

Nós, que não
aspiramos à santidade e estamos
aqui de passagem,
podemos (devemos?)
desejar
várias bolas de
sorvete,
bombons de muitos
sabores,
vários beijos bem
dados,
a água batendo sem
pressa no corpo,
o coração saciado.

Um dia a gente cria
juízo.
Um dia.
Não tem que ser
agora.

Por isso, garçom, por
favor, me traga:
cinco bolas de sorvete
de chocolate,
um sofá pra eu ver 10
episódios do 'Law and Order',
uma caixa de trufas bem
macias
e o Richard Gere,
nú,
embrulhado para
presente.
OK?
Não necessariamente
nessa ordem.

Depois a gente vê como
é que faz para
consertar o estrago . . .










________http://suzana-meirelles.blogspot.com/

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