terça-feira, 20 de abril de 2010

Mercado dos Precatórios

- + - O Estado de S.Paulo
Com a Emenda Constitucional 62, de dezembro, que estabeleceu regras mais claras - mas nem por isso justas - para as dívidas judiciais da União, Estados e municípios, ampliou-se o mercado de precatórios, com o surgimento de novos fundos de direitos creditórios (FDICs) especializados nesses ativos. Trata-se de um mercado de dívidas estimadas em mais de R$ 100 bilhões, resultantes de calotes e da procrastinação dos pagamentos de obrigações já reconhecidas pela Justiça, por parte do poder público.


Ao longo de décadas, governadores e prefeitos desapropriaram imóveis e bens de indivíduos e de empresas para a realização de obras e não pagaram, ou não cumpriram obrigações líquidas e certas, transferindo a responsabilidade para os sucessores, que se comportaram da mesma forma, enquanto se acumulavam os débitos com credores legítimos.

Os precatórios simbolizam, portanto, o desrespeito da União, inclusive do INSS, de Estados e de municípios à Justiça e aos credores. Instados a pagar tanto os precatórios alimentares, relativos a salários não pagos ou a indenizações por morte e incapacidade, como os precatórios não-alimentares, em geral referentes a desapropriações, os entes federados pura e simplesmente ignoraram a ordem judicial. Há casos de atraso de pagamento de 25 anos.

Pela Emenda 62, os governos têm de destinar uma parcela de sua receita corrente líquida para pagar os precatórios ou quitar a dívida em 15 anos, destinando no mínimo 50% do valor para quitação dos precatórios por ordem cronológica e até 50% para negociação com o credor ou por leilão, ou ainda venda a terceiros. Os juros pelo atraso foram fixados em 6% ao ano mais a Taxa Referencial (TR). Na prática, é possível até pagar anualmente precatórios no montante de 1% a 2% da receita de Estados e municípios, o que somente poderá beneficiar os sucessores do credor, que não terá tempo para receber a dívida.

Dadas as incertezas relativas à quitação dos precatórios, esse mercado era animado quase que exclusivamente por escritórios de advocacia, mais qualificados para avaliar a possibilidade real de recebimento e em que prazo.

Três novos fundos de precatórios surgiram no início deste ano, lançados por um banco de investimento e uma distribuidora de valores, e um quarto fundo está em avaliação na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), prevendo-se uma captação total de R$ 1,9 bilhão.

"Para criar um fundo lastreado nesses precatórios, é preciso calcular o preço a ser pago hoje para a compra do precatório com base na data de recebimento", disse um advogado citado em reportagem do jornal Valor, terça-feira. "A escolha por uma ou outra forma de pagamento altera completamente o preço pago", explicou.

Segundo a reportagem, os precatórios chegam agora a ser adquiridos por FDICs por 70% do valor de face - enquanto antes das regras o preço beirava os 30% do valor de face (ou seja, os vendedores davam deságio de 70% para receber antecipadamente o que lhes era devido). A diferença entre o valor de mercado e o valor de face deve cobrir o prazo e o risco de calote ou da mudança das regras de pagamento por Estados e municípios.

Para os investidores, os riscos são evidentes: um dos fundos de precatórios citado na reportagem apresentou, em 2009, uma rentabilidade de 14,62%, enquanto outro fundo mostrou, no mesmo período, um prejuízo de 13%.

Os beneficiários dos precatórios continuam a ser as empresas que têm dívidas com o Fisco e obtêm liminares na Justiça para quitar as obrigações mediante a entrega de precatórios. Desde dezembro, é permitida a cessão de precatórios a terceiros, o que facilita a venda dos títulos a empresas que querem usá-los para pagar débitos tributários sem ir à Justiça.

Mas as novas regras permitiram a uniformização das dívidas, o que facilita a comparação entre os diversos precatórios. Mas o fato é que os credores de precatórios continuam sendo vítimas da imprudência e da má-fé de governantes.

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