terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Artigo - Precatórios: pagar o que deve

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Artigo - Precatórios: pagar o que deve
Segunda-feira, 30/01/2012

Walter Ceneviva - Folha de Sao Paulo, 28/01/2012

A "moralidade" do Estado tem padrão seletivo: vale para interesses políticos, mas não para cumprir a lei
O dever de pagar dívidas, quando referido ao poder público, exige a leitura do art. 37 da Constituição. Esse dispositivo impõe o princípio de moralidade como exigência para o exercício da administração pública. A moralidade constitucional tem qualidade de enquadramento jurídico para aplicar o direito vigente. Nada obstante a essa condição, a realidade nacional, nos dias que correm, permite dizer que, em boa parte, o poder público assume uma posição atentatória da moralidade quando não paga dívida vencida. O mesmo se diga quando facilita a vida de alguns de seus credores, em detrimento de outros.
Pagar o devido tem variáveis. As vítimas do não recebimento de seus créditos em face da administração são os caloteados, mas não só eles, porquanto também são vítimas os passados para trás, em face de outros que, mais chegados ao poder, recebem em dia, beneficiados por excessos de favorecimento, conforme noticiado sobre o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Para o direito, quem não paga o que deve é inadimplente. Descumpre a lei. Na avaliação comum, mau pagador é o caloteiro. Agrava-se a conduta do administrador público quando, sendo mau pagador renitente, ao mesmo tempo pressiona e asfixia seus devedores, sob desculpa de que cumpre a lei.
O Judiciário começou a dar atenção para essa disparidade de condutas do poder público, mas ainda com timidez. Já foi referido, nesta coluna, voto exemplar do ministro Carlos Ayres Britto, do STF (Supremo Tribunal Federal), na ação direta de constitucionalidade nº 4.357 (Distrito Federal). Volto a ele para recordar aspectos da emenda constitucional nº 62/2009. É claro que entre as consequências dessa emenda está a possibilidade de que certas dívidas da administração simplesmente se destinem a não serem quitadas ou, se o forem, tenham atraso ainda maior. É usual que o administrador tire vantagens gastando em obras novas, que, ao mesmo tempo, servem para não pagar débitos velhos.
Para Ayres Britto não se compreende que certas obrigações, a cargo da administração, sejam descumpridas, com quebra do direito do credor. O ministro do STF extrai da emenda constitucional nº 62/2009 desalentadora conclusão nesse sentido, especialmente no caso dos precatórios judiciais. A emenda mencionada autoriza o não pagamento quando o débito remanescente for superior ao valor dos recursos vinculados na conta do ente devedor em um exercício dado. Ou seja, basta que os recursos vinculados absorvam toda a destinação do orçamento para isentar a administração de quitar débitos antigos.
Ayres Britto admite que o STF contribuiu para esse descaso ao "não deferir pedidos de intervenção federal, sob a desculpa de que os Estados se encontravam sob dificuldades financeiras".
Neste momento em que juízes têm recebido valores altíssimos, que atentam contra os limites constitucionais de sua remuneração mensal, quando alguns são favorecidos em detrimento de seus colegas livres da ordem dos precatórios, vê-se que as coisas estão mal paradas. Os exemplos se repetem porque a "moralidade" do Estado tem padrão seletivo: vale para interesses políticos, mas não para cumprir a lei. É o pior exemplo que os poderes constitucionais podem dar ao povo.



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